Buraco de Luz

Karien Petrucci
3 min readOct 7, 2020

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Para algumas coisas nascerem, outras precisam morrer.

Para novas realidades se apresentarem é preciso desapegar de algumas coisas.

Deixar ir para deixar vir.

Ciclos da vida. Fluxo. Impermanência.

E, assim, depois dos três primeiros meses rodeada pela natureza e me deixando afetar. Observando seu movimento. Lendo sobre o assunto. Assistindo documentários. Fazendo cursos. Encontrei um dos conceitos mais lindos e primordiais sobre o que podemos aprender quando aceitamos que somos natureza: o buraco de luz.

O buraco de luz é um evento que ocorre nas florestas quando uma árvore muito grande cai por causas naturais.

Devido a densidade de árvores, arbustos e uma série de outras formas de vida existentes na floresta, quando essa árvore cai, ela derruba tudo o que há ao seu redor abrindo uma grande clareira.

Esse espaço é o chamado buraco de luz.

Essa nomenclatura se deve porque, a partir do momento que essa clareira é aberta, permite-se que os raios de luz penetrem no fundo da floresta.

O raio de luz, ao chegar no fundo da floresta, começa o processo de despertar sementes que estavam ali adormecidas.

Um processo de regeneração se inicia. Várias sementes brotam, germinam.

Há uma fase do buraco de luz — que não é tão comum nas florestas, se você já andou na floresta Amazônica sabe que não tem tanta flor em seu chão — que, com essa chegada de luz maior, essas sementes germinam e essas plantas florescem. Com as flores chegam as abelhas, as borboletas, os polinizadores e todo esse processo chama ciclo de vida após ciclo de vida.

E, com o tempo, esse buraco de luz fecha novamente a floresta.

O buraco de luz deu chance para os seres que estavam dormentes pudessem vir à luz. Pudessem vir a nascer e se desenvolver.

Então, o que em teoria, poderia provocar enorme dor no coração ao vermos uma árvore caída na floresta, se observarmos ao redor dessa clareira existem indivíduos mais frágeis e mais delicados brotando.

E tem luz. Tem cores. E o que era para ser um fenômeno de uma certa tristeza é, na verdade, espaço para regenerar novas vidas que se não tivessem essa chance de luz não teriam conseguido se desenvolver e crescer.

Ciclos. Vida. Morte. Impermanência. Natureza.

Tempo.

Nessa história, o fator tempo precisa ser honrado.

Antes dessa árvore cair, ela passa uma mensagem para as outras árvores. Antes dela sucumbir, ela transfere as informações dela pelo sistema de raiz como se fosse um avô ensinando para os seus filhos e netos o que ele poderia transmitir de informação sobre a vida dele.

É isso que uma árvore centenária faz.

E quando ela cai, ela ainda está muito viva. A matéria orgânica está super presente para se transformar em matéria prima e então virar substrato para alguém. Mas, é um processo que demora muito tempo. Não é do dia para a noite.

Existe o tempo de decomposição. Etapa por etapa.

As coisas vão se transformando. Entendemos o que significa uma árvore dessa no chão. Algo dessa dimensão que mudou em nossa vida e que vai levar um tempo para se transformar em luz, em matéria prima, em algo que possa trazer mais vida.

E todo esse processo não é e nem precisa ser solitário. O tempo e o espaço de troca são importantes.

A vida tem uma lógica linda. E não é através do controle ou do travamento de fluxo que se gera vida, mas sim ao contrário.

É deixar acontecer. Fluir.

Deixar a luz entrar.

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