Como lidar com o fracasso

Karien Petrucci
5 min readAug 15, 2019

Essa semana participei de um Festival de Inovação — BlastU 2019.

Dois dias inteiros de painéis, talks, workshops, mentorias… tudo que esses novos formatos de eventos tem direito (inclusive comida vegana, salgadinhos que juram ser naturais e sorvetes que prometem não engordar).

Brincadeiras a parte, vi conteúdos interessantíssimos e pessoas inspiradoras. Nesses eventos onde a curadoria depende de nós mesmos porque tudo-acontece-ao-mesmo-tempo-agora, sinto sempre aquela ansiedade de estar perdendo algo ali na plenária ao lado que parecia tão interessante quanto o que estou vendo na plenária em que estou no momento. Mas acredito que fiz uma boa curadoria e levantei no meio de, no máximo, uns 2 talks (risos).

Vamos a alguns assuntos abordados no evento:
- sustentabilidade,
- startups e a transformação do país,
- futuro da alimentação,
- inteligência artificial,
- IoT,
- diversidade e inclusão,
- novos desafios da educação,
- autoconhecimento e saúde mental,
- (muito) empreendedorismo,
e segue…

A primeira palestra que vi foi da Rita Lobo, diva da cozinha que levanta a bandeira pela comida de verdade com um NÃO bem grande aos alimentos ultra processados que, conforme ela disse, nem são alimentos.

Um ode aos produtos in natura, um viva aos minimamente processados (o milho de latinha, por exemplo) e um basta ao nosso pensamento contemporâneo reforçado pelo marketing das indústrias que diz que cozinhar é uma perda de tempo.

Gente, quem me conhece sabe, não sou muito da cozinha, mas saí de lá fazendo as pazes com a comida (um velho tabu pessoal), querendo nunca mais abrir um pacotinho que tenha mais de duas linhas na lista de ingredientes, recusando o sampling do sorvete que não engorda e planejando as horas do meu dia para preparar minhas refeições.

Mas aí, fui para a próxima palestra ainda na linha do futuro da alimentação. O tema: foodtechs.

Poxa vida!

Aí vem os caras me falarem que existe tecnologia suficiente para fazer um hambúrguer a base de plantas (se quiser ser cool use plant based) com gosto, textura e sanguinho de carne (vulgo suco de beterraba) e sem (quase) nada que faça mal para a saúde. Eu, vegetariana, já provei e confesso que é delícia.

What a world we live in!!!

Só como nota: Rita Lobo, continuo contigo.

Bom, mas vamos lá. Resolvi escrever esse artigo em razão de um comportamento do público durante o festival que me chamou muito a atenção.

O festival tinha 6 plenárias simultâneas e 2 espaços de workshops que também aconteciam nos mesmos horários dos talks. O que quero dizer com isso é que, com tantas opções, não vi nenhuma palestra lotada, sempre tinha espaço sobrando para entrar e assistir os conteúdos. Exceto em uma que chamava: COMO LIDAR COM O FRACASSO.

Essa lotou. Eu também estava lá.

Pessoas ocuparam todas as cadeiras e começaram a se acumular em pé e sentando no chão. Quando vi tinha muita gente a espera de uma fórmula mágica de como podemos lidar melhor com o fracasso.

Nessa hora, pensei que a nossa sociedade do consumo, da felicidade permanente nas redes sociais, das startups unicónios em tempo recorde, da Forbes under 30, apenas quer um pouco mais de humanidade.

Um desespero coletivo. Claro, ninguém quer fracassar na vida.

Para a decepção de todos, a palestrante (Jackie de Botton da The School of Life) começou dizendo que na vida temos apenas duas certezas:
1. Vamos todos morrer
2. Vamos todos fracassar.

E continuou ressaltando a enorme diferença entre as culturas ocidental e oriental, onde ocidentalmente primamos pela perfeição, pela aparência. Nada pode estar fora do lugar.

Na cultura oriental, não. Os fracassos não são apagados, porque é importante e absolutamente normal errar. E faz parte não negar isso. Nesse momento, Jackie colocou na tela a foto de um vaso com a técnica de arte japonesa Kintsugi (é a foto ilustrativa desse artigo). Essa técnica consiste em reparar uma cerâmica quebrada com laca espanada ou misturada com pó de ouro e deixar os remendos lá, visíveis.

Aqui vai uma explicação que peguei da internet:
“Como uma filosofia, kintsugi se refere à aceitação do imperfeito ou defeituoso. A estética japonesa valoriza as marcas de desgaste pelo uso de um objeto. Isso pode ser visto como uma razão para manter um objeto mesmo depois de ter quebrado e como uma justificação do próprio kintsugi, destacando as rachaduras e reparos como simplesmente um evento na vida do objeto, em vez de permitir que o seu serviço termine no momento de seu dano ou ruptura. Kintsugi pode se relacionar com a filosofia japonesa de “não importância” que engloba os conceitos de não-apego, aceitação da mudança e destino como aspectos da vida humana.”

A verdade é que somos todos meio quebrados, mas vivemos em uma sociedade que cultua a perfeição e isso nos trás dificuldades de lidar com nossas imperfeições. Fazemos de tudo para esconder nossos remendos.

É muito tentador vivermos uma vida para agradar nossos pais, nossos cônjuges e as pessoas próximas a nós. Em certa medida porque somos regulados por uma cultura que nos impõe um ideal de vida enlatado e, nesse automático, acabamos colocando de lado a briga pelo o que de fato queremos apenas porque seria mais difícil de bancar.

Precisamos manter em mente que ninguém fracassa em tudo e ninguém triunfa em tudo. Nunca seremos completo sucesso e nem completo fracasso. Estamos ali, no meio termo.

O desiquilíbrio vem pela forma como encaramos os fracassos, que são (ou deveriam ser) naturais e esperados durante uma vida bem vivida. Somos muito duros com nós mesmos.

Nesse sentido a Jackie de Botton nos propôs uma reflexão: encarar a amizade como uma cura para o fracasso. O exercício reflexivo consiste em pensar em como abordamos um amigo quando ele nos conta sobre um fracasso pessoal.

Geralmente, somos acolhedores e encorajadores com esse amigo. Então, por que quando se trata de nosso próprio fracasso não podemos nos tratar da mesma forma?

O objetivo é não se tratar pior ao que você trataria um amigo na mesma situação.

E para encerrar, falou-se sobre o bom humor. Sobre aprender a rir do espaço que existe entre nossas expectativas muito altas e nossa realidade deprimente.

A nossa sensação de fracasso vem principalmente das expectativas que criamos na vida. É preciso, diariamente, relativizar o que é realmente importante e dessa forma controlar as expectativas.

Afinal, a pior coisa que poderia nos acontecer durante um dia seria morrer. E se, meus amigos, chegamos vivos ao final de mais um dia já estamos no lucro. É sucesso!

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