O que não cabe no currículo

Karien Petrucci
3 min readMay 19, 2021

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Em 2020, eu pedi demissão da empresa em que estava fazia 5 anos.

Um emprego, mesmo em plena pandemia, que parecia estável. Um história bonita de contar de ascenção e oportunidades bem aproveitadas.

Depois que saí da empresa, fiz um, dois, três freelas para, inclusive, a empresa que eu trabalhava e outras mais. E recebi boas propostas, as quais tenho recusado temporariamente.

Resolvi parar.

Na primeira semana, tive crise de ansiedade por não saber o que fazer com o tempo livre. Talvez tenha sentido o que tanta gente sentiu em 2020 quando seus empregos foram perdidos nas demissões justificadas pela pandemia.

A diferença é que eu escolhi, por um tempo, não trabalhar com o que eu construí minha carreira.

Talvez isso também traga um peso maior. Como eu, workaholic, que sempre tive a carreira como centro da minha vida, decido não trabalhar?

Durante minha vida, fiz uns “checks” em algumas funções. Meu MBA foi um curso incrível, mas eu fiz para conseguir aplicar para cargos maiores e não porque era o curso que eu mais queria fazer naquela época. E quando, em 2018, me inscrevi na pós-graduação em consumo & psicanálise pela primeira vez disse com verdade: “caramba, finalmente estou fazendo algo que gosto”.

2018.

Ontem.

Aliás, ontem, falando com uma amiga, acho que consegui resumir bem o que busco nesse momento. E ele é tão desconfortável porque é o contrário dos “checks” todos anteriores tão certeiros.

Eu quero aprender a lidar com o vazio.

Com os intervalos.

Com as pausas.

Com os espaços que possam trazer novas coisas.

Eu quero aprender a lidar com o vazio.

E não me desesperar para preencher ele com outra coisa que vai me distrair do que eu realmente quero. Acredito que já me distraí muito nesses últimos anos. Décadas talvez.

Nesse meio tempo, o vazio não significa não fazer nada. Muito ao contrário disso. O vazio é largar velhos padrões e me alimentar de atividades/funções que me deem prazer e instigam minha criatividade. Me dedicar ao que meu coração pulsa. Sair do automático.

Estou me abrindo para algumas possibilidades.

Abrindo. No gerúndio mesmo. De caminho. De caminho que sei lá onde vai dar.

Ontem também, recebi uma sondagem para uma vaga, uma vaga nada a ver com o que já fiz até hoje… tá bom vai, tem a ver, mas não diretamente. Resolvi escutar a proposta.

Hoje, a pessoa me pediu um currículo atualizado. Abri um arquivo de 2019, última vez que atualizei um currículo, e li ele inteiro. Um resumo da minha vida desde meus19 anos. Mas, o resumo apenas sob uma perspectiva: a profissional.

Me questionei mais uma vez o que faz sentido. Eu sou tão mais que as empresas que passei, os cargos que ocupei, os cursos que fiz.

Eu sou eles e me orgulho muito desse caminhos até aqui. Mas também sou as pessoas que conheci e que me mostraram mais sobre mim. Eu sou os ‘entres’ horários comerciais onde vi filmes, coloquei a mão na terra, fiz café, fiquei com a minha família, fiz carinho em todos os pets possíveis.

Sou os discos que ouvi, sou os livros que li, sou os tombos que tomei, sou todas as vezes que me levantei, sou a transferência com a minha analista de anos.

Sou todas as vezes que admirei o por do sol, o nascer da lua. Sou as viagens que fiz, as comidas que experimentei, os chãos que pisei, os dias nublado, as chuvas que me abraçaram, sou os relacionamentos que tive.

Sou o frio na barriga dos começos, os dias de tédio. Sou os textos que escrevo. E mais uma vez sou as pessoas que encontrei, que afetei e me afetaram.

Como posso colocar isso em duas páginas de currículo?

Como posso me encolher em duas páginas?

Reescrevi minhas funções sob outro viés… ainda mantendo um padrão currículo. E enviei. E tudo bem. Abrindo caminhos.

Mas essa reflexão aqui, esse texto e esse pensamento já me levaram à outro lugar.

Um pouco mais até mim.

Um vazio e um pouquinho mais de mim.

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