#somostodosmercadorias

Karien Petrucci
4 min readJun 26, 2019

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Essa reflexão é inspirada no livro Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadorias de Zygmunt Bauman (2008, Editora Zahar).

O regime capitalista organiza a vida social em torno do mercado, ou seja, a lógica da compra e venda das mercadorias organiza a sociedade.

As pessoas que estão inseridas nesse sistema econômico, precisam participar do mercado para sobreviver. Dessa forma, precisam vender alguma coisa para conseguir algum dinheiro para poder comprar coisas que garantem tanto a sobrevivência mais básica quanto uma vida confortável.

Bauman nos diz que o consumo sempre existiu, mas com a ascensão do capitalismo, a novidade está na centralidade do consumo na estrutura da sociedade.

“O consumo é uma condição e um aspecto permanente e irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros organismos.”

No livro, ao afirmar que o centro da vida social é o consumo, o autor fala sobre dois modelos da fase da modernidade: a fase sólido-moderna e a fase líquido-moderna.

A fase sólido-moderna é caracterizada por uma sociedade de produtores mais voltada para a segurança, ambiente confiável, ordenado e duradouro. Nessa fase, o que se buscava era uma concentração de bens para que, num futuro próximo, houvesse uma tranquilidade do proprietário. Os bens, nessa fase, não se destinavam ao consumo imediato, eles se dedicavam a um futuro de segurança.

A fase líquido-moderna caracteriza-se por uma sociedade de consumidores, em que a instabilidade dos desejos, o instantâneo, o efêmero dita as regras. Esta fase é contrária ao planejamento, ao armazenamento em longo prazo, ou seja, não se aplica mais o status de segurança, o que importa é a satisfação dos desejos no agora.

A centralidade do consumo na sociedade de consumidores influencia os mais variados aspectos da vida e, segundo Bauman, isso acontece a partir de uma comodificação do consumidor: a transformação o consumidor em mercadoria.

O autor apresenta o modo como, nos dias atuais, as relações sociais passam a ser mediadas pelo consumo não necessariamente de produtos, mas de hábitos, valores e aparências. Os indivíduos, a partir da exposição aos padrões impostos pelo mercado, passam inconscientemente a portarem-se como objetos de consumo.

Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito antes de se tornar mercadoria. Seja pela posse de objetos de consumo desejáveis, ou pela sua própria transformação em padrões socialmente mais aceitos.

A cultura imediatista que impera sob o medo de tornar-se obsoleto e ser posto à margem da sociedade de consumidores, sobressai a razão dos indivíduos que buscam meios de livrar-se de todo o mal-estar e insatisfação, provocados por tudo o que é visto como ultrapassado pelos demais.

“As pessoas são aliciadas, estimuladas ou forçadas a promover uma mercadoria atraente e desejável. Para tanto, fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que tem a disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo. E os produtos que são encorajadas a colocar no mercado, promover e vender são elas mesmas.”

Em uma sociedade de consumidores, a lógica da mercadoria se expande para a formação da personalidade das pessoas que só conseguem desenvolver sua identidade consumindo e sendo consumidos. Portanto, passam a desenvolver suas habilidades, seus gostos, o seu estilo de vida, de se vestir e de se portar em público pensando em uma mercadoria que precisa ser vendida.

Ao assimilar a lógica do consumo, pode-se aumentar o valor da imagem da pessoa para os outros: dependendo do produto que for consumido, dá-se um valor a mercadoria que a própria pessoa é, ou seja, tudo depende de consumir os produtos certos para fazer a propaganda certa de si mesma e ser consumida como uma mercadoria.

“Consumir, portanto, significa investir na afiliação social de si próprio, o que, numa sociedade de consumidores, traduz-se em vendabilidade.”

As próprias propagandas dos produtos não fazem publicidade apenas dos próprios produtos, mas também do estilo de vida ligados a ele.

A mercadoria “pessoas” não serão vendidas em troca de dinheiro como numa transação comercial comum, mas a mercadoria “pessoas” serão expostas a venda como em uma vitrine.

E, hoje, a maior vitrine de pessoas são as redes sociais.

As redes sociais são sintomas da lógica da mercadoria nas sociedades liquido-modernas. São exemplos claros de que as pessoas vendem a si mesmas. E que as pessoas querem ser consumidas por outras.

Cada foto, cada post, cada texto publicado é um marketing de si mesmo e cada like, cada comentário positivo é uma prova que a operação de venda foi bem-sucedida. As pessoas começam a abrir mão da própria privacidade para se valorizarem como mercadoria.

E aqui cabe uma questão: Até que ponto os valores subjetivos da vida humana podem ser negociados e comercializados como se fossem meros produtos à venda em um mercado?

Por fim, vale pontuar que, por mais que a sociedade de consumo afirme que todos os desejos humanos podem ser satisfeitos, essa promessa de satisfação só se mantém enquanto o desejo continua insatisfeito.

O “estar satisfeito”, para essa sociedade, é sinônimo de estagnação, o fim do ato de consumir. E a sociedade de consumo não pode ficar entediada. Portanto, a medida que consome mais, ela se reveste de uma aura de sucesso e sempre recorre ao consumo como uma forma de felicidade, de prêmio, mesmo sendo ilusório.

Estar em movimento é nunca estar satisfeito.

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