Transformando Solidão em Solitude

Karien Petrucci
4 min readMar 29, 2020

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Ser só é uma condição estrutural do humano. Nós nascemos e morreremos sozinhos.

Partindo dessa premissa, podemos escolher sentir solidão ou solitude durante nossa existência.

A solidão é um vazio, a falta de algo em nossa vida. E, ao invés de buscarmos internamente o que deveria ser aprimorado, começamos a buscar externamente: festas, compulsão por compras, não conseguir estar sozinho, precisar estar sempre rodeado de pessoas ou fazendo algo… qualquer forma de preencher esse vazio, gerando uma dependência emocional com as pessoas ou objetos ao redor.

A solitude é a capacidade de estar consigo, de não sentir receio de estar sozinho no prazer da própria companhia. É quando podemos desenvolver o autoconhecimento. Nos encontrarmos ao invés de tentarmos fugir. Nos aceitarmos como realmente somos independentemente da aprovação do outro.

A solidão é algo que nos incomoda talvez porque contenha em si a maior de todas as questões. Afinal, quem é você? Quais são seus gostos quando ninguém está olhando? Quais são os seus medos? Quais fantasmas aparecem quando você está sozinho?

A solidão evidencia coisas, nos coloca de frente com situações que não gostaríamos de encarar.

Pertence a nós a capacidade de transformar solidão em solitude.

Solitude é uma palavra que existe. Mas, na prática, precisamos dar existência à ela.

A partir do momento que estar só é estrutural do humano, não precisamos supor que para viver bem é preciso “estar junto com”.

Existe uma revolução acontecendo que é a de poder estar só. Que é a de não precisar viver em grupo ou da forma básica que é socialmente aceita que é a de dupla (uma vez que a ideologia dominante é o conceito de que uma família é uma dupla que vai replicar a vida).

Hoje em dia, estamos assumindo uma vontade, um direito legítimo de fazermos coisas sozinhos. Ir jantar em um restaurante sozinho, por exemplo, percebendo que não é necessário estar sempre com a sua dupla.

Essa ideia de dupla, ou de um número grupalizado, é o chamado efeito de manada onde tudo precisa ser feito junto porque se fosse de outra forma correríamos o risco de cair no vácuo da solidão.

O comportamento de manada, essa fantasia delirante de massa, tira a singularidade do sujeito. A individualidade é perdida porque não se faz necessário pensar apenas replicar.

Para um desenvolvimento real de uma ideia é preciso o movimento dialético, ou seja, de uma ideia que se contrapõe a outra e a outra e a outras e assim por diante. O movimento dialético é que faz a criação da ideia nova, original.

Porém quando nós vivemos apenas o movimento de massa, estamos apenas em repetição, em um jogo de espelhos de replicação de ideias.

Essa lógica grupal é uma defesa para a angústia de uma certa solidão. E nos revela em última instância que não estamos sustentando a posição da condição humana: estar só.

Estar só.

E ter a sua própria vida.

E então escolher compartilhar uns com os outros.

Trocar as experiências cada um do seu lugar. Solitário e sublime.

Somos seres sociais. O nosso eu vai se formando lentamente a partir de um contato com o outro, a partir de convenções sociais, a partir de opiniões.

O importante é não ligar o piloto automático da repetição. Aproveitar os momentos de solidão e desenvolver a capacidade de transformar angústias em reflexões.

Ter mais a levar aos outros.

A solitude não deveria trazer sofrimento, pois é incrível o fato de que só você está no seu corpo aqui e agora. Só você vive a sua experiência. Só você experimenta o que você experimenta.

Já o sentimento de solidão é, em grande medida, não fazer o luto dessa condição estrutural humana da solitude.

É interessante que estejamos só.

Exercermos um equilíbrio de fazermos algumas coisas individuais.

Estarmos em nossa própria companhia, na companhia de um livro, um chá, um vinho e transformar a solidão em solitude.

E que possamos pensar pela nossa própria cabeça.

O real pensamento é profundamente solitário.

Nunca seremos perfeitos, mas somos capazes que nos aprimorar a partir de uma consciência maior de nós mesmos.

Encerro com um trecho do livro de Leandro Karnal — O Dilema do Porco Espinho -Como Encarar a Solidão:

“Terminaremos todos solitários em algum túmulo um dia. Exercitar o lado criativo e libertador do isolamento é evitar que o túmulo surja ainda em vida. Viver exige pausas. Pensar implica certo isolamento. Ser feliz com quem você ama é acima de tudo ter a experiência da solidão antes e durante o amor. Você precisa de muitas pessoas. Viver é amar e amar implica outro ser. Lembre-se apenas de que você também precisa de você. E esse mergulho em si é vital. Quando olhar alguém em uma mesa de restaurante sozinho e feliz, passeando em um parque sem ninguém e pleno, quando ligar para alguém em um sábado a noite e a pessoa disser com serenidade “estava aqui pensando e lendo tranquilo” não se esqueça de dar os parabéns, aquela pessoa já descobriu a faceta libertadora da solidão tornada amiga, está apta para voltar ao convívio dos outros porque já convive consigo. Se você não se suporta, quem conseguirá fazê-lo?”

E você, o que você faz para transformar solidão em solitude? Transformar isolamento em reflexão?

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Written by Karien Petrucci

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