Uma definição para o amor

Karien Petrucci
4 min readOct 18, 2024

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O amor é uma das raras forças capazes de provocar mudanças profundas em nossas vidas. Para embasar essa frase, vamos explorar esse tema com uma análise do amor na era pré-moderna e as profundas transformações que a modernidade trouxe para essa vivência humana.

Primeiramente, voltemos à pré-modernidade.

Naquela época, o amor era visto como um sentimento profundamente enraizado em deveres sociais, tradições e vínculos familiares, muitas vezes idealizado como uma união sagrada destinada a garantir a ordem e a estabilidade comunitária.

Como tudo evolui — felizmente — , entre os séculos XV e XVIII vivemos a transição da era pré-moderna para a era moderna através de grandes acontecimentos como o Renascimento (século XV), a Reforma Protestante (século VI), a Revolução Científica (século XVII) e a Revolução Industrial (final do século XVIII).

Durante esse período, houve uma ruptura com a visão de mundo medieval, fortemente baseada em tradições religiosas e na ordem feudal, para uma era mais centrada no racionalismo, no progresso científico, no desenvolvimento econômico e nas ideias iluministas de liberdade e direitos individuais.

E o que isso quer dizer?

Com a sociedade se reorganizando e as classes sociais redefinindo suas visões da existência e do mundo; o sujeito moderno, ao contrário do pré-moderno, cujo destino já estava traçado desde o nascimento, precisou criar sua própria trajetória e construir sua própria história.

E isso muda tudo.

Na modernidade, o amor se tornou uma escolha pessoal, onde a busca por conexão emocional e autenticidade substituiu os antigos arranjos tradicionais, transformando-se em um laço entre indivíduos que procuram não só um parceiro, mas alguém que os acompanhe na liberdade, na paixão e no crescimento mútuo.

É interessante observar que a ficção assume um papel crucial para o sujeito moderno, e não por coincidência, os grandes romances surgem no século XIX.

A narrativa romântica se mostrou a forma que melhor atendeu às necessidades expressivas dos escritores da época, pois afirmava os valores individuais em contraste com as normas sociais vigentes. Podemos dizer que, historicamente, o amor representa o triunfo do indivíduo sobre as obrigações da história, da tradição e das castas, celebrando a autonomia e a liberdade pessoal.

Ao mesmo tempo, essa a narrativa romântica era fortemente pautada em idealizações. No contexto do romantismo, tanto os personagens quanto os sentimentos são frequentemente idealizados, com uma ênfase na exaltação das emoções, da subjetividade e da busca por um ideal inatingível.

A definição de amor transcende o simples desejo de estar com alguém.

Amar é idealizar o outro.

E a partir dIsso, transformá-lo em nosso ideal de forma que, amando essa idealização, experimentamos o prazer de sermos amados pelo nosso próprio ideal.

Afinal, quem não gostaria de ser amado pelo próprio ideal?

“O amor é fundado na idealização e a idealização consiste em atribuir ao outro traços ideais que são meus. A finalidade disso é que o outro me ame, ou seja, que eu seja amado pelo meu próprio ideal — o que é algo legal — claro!” Contardo Calligaris

Essa dinâmica faz com que o amor seja um poderoso motor de mudanças subjetivas.

Isso fica claro quando percebemos que, ao idealizar o outro, de certa forma o transformamos, levando-o a considerar o ideal que projetamos sobre ele ou ela. Paralelamente, buscamos ser amados por esse ideal, o que nos aproxima da nossa própria idealização e impulsiona nossa transformação subjetiva.

Lacan diz algo dIsso com sua famosa citação: “Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer.”

Ou seja, o ato de amar envolve projetar no outro algo que nos falta, algo que esse próprio outro não possui porque é matéria da nossa própria idealização e que a outra pessoa tampouco considerava desejar.

E sabem o que é essencial para que o amor continue vivo? Manter essa idealização.

Nesse contexto, a distância funciona como um mecanismo que ajuda a preservar essa imagem idealizada.

“O amor é essa coisa que se alimenta na impossibilidade do encontro. (Contardo Calligaris)”

O amor pede uma certa distância para durar porque a proximidade traz o risco de revelar falhas e imperfeições que contradizem a idealização e ameaçam a fantasia que sustenta o amor.

“Mas uma vez isso dito, qual é o problema? O fato que algo seja ilusório não retira nada a importância e a qualidade da experiência.“ Contardo Calligaris

Amar é uma experiência complexa, mas é uma das raras forças capazes de provocar mudanças profundas em nossas vidas.

E, acima de tudo, amar sempre vale a pena.

O texto traz uma perspectiva histórica e psicanalítica para o amor.

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